por Abia

Márcia Terra: não existe alimento certo e alimento errado

Por Márcia Terra* 

Grupos de trabalho criados pelo Ministério da Fazenda discutem neste momento os anteprojetos de lei que, uma vez aprovados pelo Congresso, vão complementar a reforma tributária já aprovada. Um deles vai definir os alimentos destinados ao consumo humano que terão o novo redutor de 60% e os que vão compor a cesta básica com alíquota zero. Isso diz respeito a questões fundamentais: preço da comida e liberdade de escolha. Mesmo porque há grupos de interesse que querem ‘cancelar’ alguns produtos com aplicação de sobretaxa, o que resultaria em encarece-los e em dificultar o acesso a eles.

Esse posicionamento chama a atenção, mesmo porque nenhum alimento de forma individual causa malefícios ao ser humano, a não ser que esteja estragado. Outro mito: falam de produtos industrializados por causa dos aditivos. Os aditivos alimentares são completamente seguros. Tanto que, a aprovação de um deles leva, em média, oito anos, e quem faz essas avaliações é o JECFA que funciona como um comitê científico independente de peritos, que realiza avaliações de risco e presta aconselhamento à FAO, à OMS e aos países membros de ambas as organizações, bem como à Comissão do Codex Alimentarius – que é uma coletânea de padrões relativos a alimentos, produção de alimentos e segurança alimentar reconhecidos internacionalmente. Estes organismos congregam cientistas do mundo inteiro. E esses cientistas não são IA, são humanos. Gente que é pai, que é mãe, avô, avó, filho... que não aprovaria nada que pudesse causar câncer ou qualquer outra doença. Um aditivo só entra num alimento se for benéfico e contribuir, por exemplo, para aumentar a conservação, o sabor, a textura e a qualidade.

O próprio conceito dos produtos ditos ultraprocessados é questionado por pesquisadores da ciência dos alimentos. Estão avaliando os produtos pela forma de processo e não pelos nutrientes que eles contêm. Não é pelo processo de produção que devemos qualificar um alimento. Sem contar que na dinâmica dos dias de hoje, não existe essa história de comida de verdade e comida de mentira.

Obesidade no Brasil e o consumo de refrigerantes

Na mesma discussão há quem defenda que produtos ditos não saudáveis contribuem para a obesidade do brasileiro. Também aqui cabe questionamento: as pessoas começaram a ganhar peso com a evolução da chamada vida moderna, onde a inatividade é extrema. Com o sedentarismo, é evidente que há um ganho de peso que não tem nada a ver com alimentos industrializados. O mesmo acontece com os refrigerantes, que também levam a fama de contribuir com a balança.

Dados da pesquisa Vigitel (Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico), do Ministério da Saúde, mostram que enquanto a obesidade cresceu 90% entre 2006 e 2021, o consumo de refrigerantes caiu 55% no mesmo período. Ou seja: apesar da redução drástica do seu consumo, a população não perdeu um grama sequer, muito pelo contrário. Dizer que o refrigerante é um marcador de obesidade está errado, porque se fosse, de forma elementar, haveria redução dos índices de obesidade que acompanhariam a redução do consumo.

Pesquisa da FGV sobre o assunto identificou, através de análises estatísticas, que a idade, as condições socioeconômicas e a falta de atividade física são os principais fatores associados à prevalência da obesidade no Brasil. Inclusive, o pesquisador que coordenou o estudo, Marcio Holland, da Escola de Economia de São Paulo (FGV EESP), afirmou por ocasião da divulgação da pesquisa (abril de 2023) que muitas pessoas acreditam que a obesidade está associada principalmente ao consumo de determinados alimentos. No entanto, o estudo indicou que este fator é pouco relevante se for analisado de forma mais ampla. Pesquisadores da FGV também realizaram uma projeção sobre a evolução da obesidade no país e constataram que, caso a doença permaneça com a taxa de crescimento atual, em 2030, vai atingir 24,5% da população.

Um outro exemplo vem do México e do Chile, que em 2014 implantaram um imposto especial de consumo sobre os refrigerantes com o mesmo argumento. Isso faz dez anos. Os dados mostram que o consumo reduziu, mas não impactou no total de calorias ingeridas nem tão pouco nos índices de obesidade, que só cresceram.

 *Márcia Terra é nutricionista, membro da Academy of Nutrition and Dietetics, do Conselho Consultivo da Associação Nacional de Atenção ao Diabetes (ANAD) e da Sociedade Brasileira de Nutrição e Alimentação (Sban).

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